O drama na actividade doutrinária da Igreja na Idade Média:
Em 1207 foram proibidas todo o tipo de manifestações de prática teatral que não fossem de carácter religioso. O papa Inocêncio III estabelece os princípios gerais para a missa e em algumas partes desse ritual podemos ver nascer o embrião do teatro católico. Assiste-se então entre o séc. IX e o séc. XIII ao surgimento, no meio religioso, do chamado drama laico que, confundido com o culto, procura fazer frente ao progressivo afastamento dos féis da Igreja (estes maioritariamente iletrados, não conhecedores do latim) através de pequenas representações de episódios bíblicos.
O drama litúrgico e a cerimónia religiosa. Quem o praticava:
Inicialmente, o drama litúrgico insere-se na cerimónia religiosa enquanto pequenas ações dramáticas (pequenos diálogos cantados em latim distintos da missa) que fazem parte do ritual e para os quais a missa é interrompida. A partir destas pequenas ações parte-se para representações como a Ressurreição de Cristo. O drama era praticado tanto por eclesiásticos como por seculares, sendo que as freiras não o praticavam.
As dramatizações de passos da Bíblia e os momentos do calendário religioso em que ocorriam:
As dramatizações bíblicas eram realizadas segundo o calendário religioso, nas festas do ano litúrgico, como os documentos que chegaram até aos nossos dias confirmam; por exemplo, episódios do nascimento de Cristo decorriam na missa do Natal, tal como na festa e noite de Natal decorriam representações do presépio e da visita dos Reis magos. Também nas procissões do Corpus Christi (quinta-feira que se segue ao domingo da Santíssima Trindade) aconteciam representações. Mesmo quando estas representações se autonomizam da Igreja, continuam a seguir o calendário religioso, tanto que os milagres apenas decorrem nos dias de celebração dos respetivos santos.
Igreja substituída na produção de representações sagradas:
A partir do séc. XIII assiste-se a uma autonomização das representações sagradas. Ao mesmo tempo que estas representações se começam a afastar do objetivo primeiro da Igreja, misturando o litúrgico e o profano, surgem as confrarias que procuram promover o seu santo e, desta forma, a produção de representações sagradas começa a ficar ao encargo das confrarias, que as incluem no culto.
Os mistérios da Paixão:
Os mistérios da Paixão tinham lugar na praça central das cidades e todas as pessoas participavam, nem que fossem como figurantes. Eclesiásticos, civis, representantes das corporações, mesteres e ofícios artesanais, apenas com a sua presença, ao reunirem os “ricos” e os “pobres” representam a vida de Cristo.
Diferenças e semelhanças entre as formas teatrais dos mistérios, moralidades e milagres:
Apesar de tanto os mistérios como as moralidades e os milagres representarem matéria religiosa, existem diferenças: Os mistérios consistem em representações da vida de Cristo e bíblicas (Ex.: mistério da Paixão decorrido em Valenciennes em 1547); as moralidades apresentam representações alegóricas, ações em que se representam vícios e virtudes, procurando transmitir valores morais; e os milagres são representações baseadas na vida dos Santos, mas também da Virgem e até de certas personalidades da época (Ex.: Martírio de Santa Apolónia).
A língua das representações de carácter sagrado:
As representações eram inicialmente feitas em latim nas igrejas, no entanto, ao chegarem às cidades através das confrarias e com a intervenção do povo nas representações, a língua progressivamente passou a ser a do local/país onde decorriam as representações de carácter sagrado.
O teatro profano na Idade Média - onde e quem:
O teatro profano é feito nas praças das cidades, nas feiras e nos palácios pelos jograis e companhias, que entretanto começam a surgir.
Proibições que envolvem clérigos e hipotéticas relações com «jograis, mimos e histriões» (Mário Martins apud Francisco Luiz Rebello, 1977: 28) apontam também para a existência de um teatro profano no seio das ordens religiosas, nas catedrais e mosteiros.
Assunto deste teatro e finalidade:
Era um teatro essencialmente de representações cómicas de matéria profana, do quotidiano. As farsas punham em evidência os maus comportamentos e, ao contrário da comédia, não acabavam bem, por norma, acabavam à pancada ou com alguém a ser castigado. Este teatro pode também conter matéria religiosa ou moral, no caso dos jogos (Ex.: Le Jeu d’Adam de Jean Bodel). Tinha como finalidade divertir, ao contrário do drama laico cujas características não eram lúdicas.
Nos palácios organizavam-se representações. Circunstâncias e regularidade:
Era comum a realização de pequenas ações teatrais que tinham lugar durante as refeições, ‘entre os pratos’ – entremezes; tal como de momos e outros divertimentos. As representações nos palácios aconteciam quando havia festas na corte, sendo que estas tinham uma regularidade diminuta, pelo que as representações ocorriam por altura de casamentos e em outras ‘ocasiões especiais’.
Tem-se conhecimento de representações em diversos casamentos, dos quais são exemplo: o casamento da infanta Mafalda com o conde Reimondo, de D. João I com D. Filipa de Lencastre, de Frederico III com a infanta D. Leonor e do príncipe Afonso com Isabel de Aragão. Estas representações, tal como as festas, alimentam o valor simbólico da corte e do rei, sendo representados diversos temas (como a história de Portugal ou de grandes e importantes personalidades).
Descrição de um dos momos referidos nos documentos que conheço:
Um dos momos dos documentos realiza-se num palácio no centro da cidade, em que decorre uma ação simbólica representativa do poder e estatuto de Frederico III, recém-marido da infanta D. Leonor (tema). Segundo a descrição, encontram-se à porta do palácio sete eleitores do Sacro Império Romano-Germânico que elegem Frederico III Sacro Imperador Romano-Germânico.
Esta é uma representação em que os momos se encontram mascarados de «sete Eleitores do Sacro Império Romano» e de «senhor Frederico Rei dos Romanos».
Os momos e a festa:
Os momos são pequenas ações que constroem uma situação de ficção, simbólica, com um tema (Ex.: Desafio das justas) e enredo em que se usa máscaras, mas sem intriga nem fala e que se insere na festa pelo tema (que se relaciona com a mesma) e pelas suas características lúdicas, de divertimento.
Características das representações medievais, consideradas formas de espetáculo para-teatrais:
As representações medievais são um tipo de espetáculo popular, podendo conter matérias religiosas ou profanas e encontrando-se limitadas pelas suas origens, não tendo uma orientação aristocrática, apesar de acontecerem também na corte, estas representações encontram-se ligadas à festa.
O carácter ficcional das ações representadas e a progressiva introdução de uma dimensão dramática fazem delas formas que antecipam o teatro como ele se tornará a partir dos séculos 15 e 16.
A maioria dos historiadores do teatro português considera que em 1502, com a representação do auto da Visitação, por Gil Vicente, na câmara da rainha, nasce o teatro em Portugal. Bases para esta afirmação e modo como os autos de Gil Vicente continuam práticas conhecidas da corte:
O nascimento do teatro português é associado ao auto da Visitação, em 1502, porque acontece uma “nova invenção”. Na Visitação, Gil Vicente transfere o modelo do nascimento de Cristo para o nascimento do príncipe herdeiro.
Pela primeira vez o teatro recorta-se da festa e passa a ser feito por encomenda, com uma data e destinatário próprios. Portugal vive o apogeu expansionista e procura-se dotar a corte de formas de civilização que a tornem representativa da imagem de um reino próspero e para tal recorre-se ao teatro. O teatro adquire, então, a função de transmitir os princípios de conduta e as virtudes que se procura num nobre e Gil Vicente encontra-se sempre em sintonia com o projeto político de D. Manuel e com o programa artístico da época. Começa a existir a consciência de que os autos são uma arte autónoma, com características próprias o que não significa que eles não contenham e reelaborem formas que já são conhecidas como momos, entremezes, mistérios, milagres, moralidades, farsas etc.
Gil Vicente como “mestre da retórica das representações” ao serviço de Manuel I e João III e a vida da corte:
Quando, em 1524, Gil Vicente é nomeado mestre da retórica das representações é obrigado a aproximar-se da corte, continuando a acompanhar a vida na corte, incluindo, movimentar-se pelo país por altura das pestes. A ligação com a vida da corte sente-se nos seus autos Quem tem farelos? e Índia, que têm em comum a personagem de um castelhano, o que pressupõe a presença de um castelhano naquele ano na corte. A certa altura Gil Vicente apercebe-se do interesse da corte por manifestações literárias que fazem parte da cultura palaciana, com romances e novelas de cavalaria e procura novos temas, fazendo autos diferentes dos anteriores – autos de cavalaria, a que seu filho chamará tragicomédias.
Auto é a designação genérica da ação teatral e dos textos que chegaram até nós. Tipos de autos Vicentinos:
Gil Vicente escreveu autos de devoção e moralidades, pastoris, farsas, comédias e tragicomédias.
Compilação dos autos de Gil Vicente:
A Compilaçom de todalas obras foi publicada em 1562 pelos filhos de Gil Vicente – Luís e Paula Vicente.
Esta Compilação é a principal fonte de informação sobre Gil Vicente, pois pouco ficou na memória e em registo escrito. Sem ela, dos autos vicentinos só teríamos conhecimento de que teriam sido muitos e pouco saberíamos sobre o teatro que marcou toda uma época e retratou toda uma sociedade no apogeu da expansão (África, Índia e Brasil).
Os autos Fé e Feira de Gil Vicente e o que ficamos a saber sobre como era o teatro na corte:
Ficamos a saber em que ocasiões ocorrem os autos: no natal, logo, não eram feitos autos todos os dias, mas apenas em ocasiões especiais a pedido do rei ou rainha.
As personagens surgem, constroem uma situação e vão-se embora (o cortejo é muito forte em Gil Vicente e particularmente visível na Feira) e é um teatro que exige uma pré-seleção de materiais e preparação do espaço (No auto da Fé isto é mais evidente, pela referência a imagens e objetos).
Quanto à linguagem, percebemos que é familiar à audiência (Na Fé, Vicente cria um contraste entre a linguagem da Fé e dos pastores, opondo o dialeto saiguês dos pastores ao português da Fé), pois os cortesãos tinham de compreender, dada a sua “vertente educativa” e percebemos também que existe um coro e cânticos. Não só os atores participavam, mas também a própria audiência (“Aqui está la gente toda.”) e havia, por vezes, uma transfiguração do espaço.
Contribuição dos autos para a “educação” dos cortesãos e tipo de valores transmitidos:
A realização de autos na corte visa educar os cortesãos e transmitir virtudes e modelos de comportamento – as personagens são exemplo dos comportamentos a seguir ou a não seguir, do certo e do errado. Transmitiam valores cristãos, exemplo disto são os autos Fé e Feira. No auto da Fé, representa-se a Fé a falar aos ignorantes (que representam uma cultura que não explica as coisas do universo e que são passíveis de explicação – Deus) que devem perceber o ritual da missa, isto, não só os pastores ignorantes, mas também o próprio público – nobres. O auto da Feira procura igualmente transmitir valores cristãos e para tal cria uma oposição entre a tenda do Diabo e a tenda do Tempo e Serafim (anjo), sendo que o Diabo acaba por abandonar a feira ao falar-se do nome de Jesus (o “bem” sai vitorioso). Autos como a Visitação procuravam também transmitir a grandeza do rei e da nação portuguesa.
Muitos autos contemporâneos ou que sucederam aos de Gil Vicente chegaram até nós. Referência a alguns lidos:
Dos autos seus contemporâneos ou sucessores, refiro:
- O Processo de Vasco Abul, de Anrique da Mota (aborda um processo judicial, em que Abul deu o seu colar de ouro a uma moça que estava a bailar e pretende que este lhe seja restituído);
- Natural Invenção, de António Ribeiro Chiado (Fala de um nobre que está à espera de um autor para fazer uma representação em sua casa; apresenta dois planos de representação – para o nobre em sua casa e para o rei no palácio);
Características do teatro feito em casas particulares, parodiadas no auto da Natural Invenção de António Ribeiro, o Chiado:
O auto apresenta o teatro que se realizava em casa de particulares, como sendo um teatro de má qualidade e realizado por dinheiro. São contratadas companhias que são pagas e não só o autor, tal como os atores eram também pagos. Percebe-se que andam de casa em casa e que na casa deste nobre o pagamento foi de dez cruzados (“Que o haviam de fazer/ em duas casas primeiro”; “que vou eu dar d’antemão/ dez cruzados por ver auto”).
Chiado põe a nu a pureza dos meios e a pouca civilização do teatro em casa dos nobres, que muitas vezes nem sequer tinham condições para receber os autos (“assentai que me agravais/ a casa não no consente”). Era um teatro que movia multidões, estas seguiam as companhias, que, neste caso, tentavam entrar sem convite (“porque entrará turbamulta/ e parece isto consulta”).
Existem personagens-tipo nestes autos: dono da casa, matantes, ratinho e o autor, tal como cada um desempenha uma função (o ratinho, por exemplo, é o indivíduo que trouxe o cesto com os adereços). Os matadores surgem como indivíduos que animam o público e intervém nas representações. Existe também uma figura que contextualiza o auto e liga as cenas – o representador, responsável pela economia do espetáculo e organização do mesmo. Crê-se que o papel do representador era improvisado (“sois figura por demais/ nem sabeis o que dizeis”). Ideia de que os autos acabam sempre em pancadaria e que as coisas fogem ao controlo do dono da casa (“Não se fazem autos a papas/ com arroídos, com trapas/ e a reis e emperadores?”).
No fundo, o auto passa a mensagem de que os nobres rivalizam com a corte, no que diz respeito ao teatro, mas o teatro que se faz em casas particulares é degradado.
1) No mesmo momento em que Gil Vicente “fazia os autos a el-rei”, surgia um teatro diferente que acontecia na Universidade ou nos palácios e que seguia o modelo das comédias humanistas produzidas em Itália. Diferenças destes textos, como Estrangeiros de Sá de Miranda em relação aos outros:
Sá de Miranda esteve em Itália e descobriu a comédia humanista italiana e, neste âmbito, presenteia o Infante D. Henrique com Estrangeiros. Este texto procura dar a conhecer um novo tipo de teatro, que se distingue dos autos. Um teatro à margem do tradicional. O próprio nome Estrangeiros já aponta para uma rutura com os autos até então apresentados, pois as personagens são estrangeiras e o próprio público é estrangeiro àquilo que se lhe vai ser apresentado.
O texto inicia-se com um prólogo (interpretado alegoricamente pela Comédia) em que há um desafio aos espectadores (“Estranhais-me, que bem o vejo: que será? que não será? que entremez é este?”) e é a confirmação da novidade, pois não é nem um entremez nem um auto em verso. Estes textos são escritos em prosa e não em verso, falam a língua de todos os dias (que se fala na plateia, logo, não há rima também), seguem os princípios de Aristóteles e Horácio, organizam-se em cenas e atos, têm uma ação com princípio, meio e fim, cuja estrutura interna desenvolve a intriga e falam de coisas correntes, do quotidiano.
Consequências da presença do teatro espanhol em Portugal (1591 -1755) mesmo depois da independência em 1640:
O público encontrava-se muito habituado à comédia espanhola e rejeitou as tentativas da criação de um teatro nacional (como as levadas a cabo pela Arcádia Lusitana, apesar de ter acorrido aos espetáculos de bonecos), tal como a própria corte se encontrava mergulhada no modelo espanhol, até porque, até então, o castelhano tinha sido a língua culta, do poder. O castelhano, mesmo após a independência, continuava a ser a língua conhecida em Portugal. Fora também através da regulamentação da atividade teatral em Espanha, e posteriormente em Portugal, que a atividade teatral se transformou numa profissão e na mercantilização de um produto, passando a existir regulação oficial e alimentando um circuito comercial. Foi, inclusive, um espanhol – Fernão Dias de la Torre – quem comprou um pátio onde criou o pátio de comédias chamado das Arcas. Também a presença do teatro espanhol levou a tensões nos espaços privados (corte, palácios), entre o modelo de teatro espanhol e a tentativa de trazer para este espaço outros modelos de teatro, como o classicismo francês.
Os pátios de comédia e a sua arquitectura original – criação do pátio das Arcas:
O pátio das Arcas foi criado em Lisboa entre a actual Rua de S. Nicolau e a R. da Betesga no final do séc. XVI, e a sua arquitectura era muito semelhante à dos “corrales” espanhóis, as primeiras representações no pátio datam de 1593.
A leitura de Os encantos de Medeia e o que nos permite perceber sobre o espectáculo na 1ªmetade do século XVIII: espaço cénico, bonecos, música, efeitos visuais, temas, linguagem:
A ópera Encantos de Medeia é um espetáculo de marionetas, de bonecos: “o meu todo se compõe de muitas partes” (p. 27, ll. 17/18), “salta a cabeça de Sacatrapo” (p. 33, l. 26), “essas ninfas, em que falta o animado” (p. 39, ll. 22/23), “com cara de burro” (p. 62, l. 28), “roto” (p. 75, l. 17). A estrutura da ação e a utilização de personagens (Ex: criado “gracioso” Sacatrapo) segue a comédia espanhola, no entanto, A. J. da Silva vai-se inspirar na comédia latina, através dos temas, juntando-lhe algo da dimensão do canto (árias). A linguagem varia entre a popular e a erudita (Ex: “Comer a isca e cagar no anzol” e “Ínclito Etas, Rei de Colcos, permite-me a fortuna de beijar teus pés”) e, apesar de ser em prosa inclui também poesia nos momentos musicais (árias e recitativos). São também utilizados diversos instrumentos produtores de música e sons: “som de uma marcha”, “coro”, “ecos”, “zurram dentro”, “tocam uma contradança”, “tocam tambores”, “clarins” e “trompas”, o que acentua a vertente musical do espectáculo.
No que diz respeito ao espaço cénico sabemos que o espetáculo é feito num “tablado”, sabemos que existem “escotilhas” por onde saem personagens, uma “corrediça” e a ação decorre na Ilha de Colcos, sendo necessário criar diversas subzonas de representação, através de cenários que mudavam (mutações) dada a rápida sucessão de cenas e espaços: “mar”, “montes”, “sala real”, “Câmera” da princesa Medeia, mais uma “sala” do palácio, “jardim” do Velocino, “antecâmera” e “sala de fora”.
Esta ópera baseia-se em temas mitológicos, da mitologia grega, fala do amor e do ódio (amor que se transforma em sede de vingança) e das consequências de roubar (o que gerou o roubo do Velocino).
Quanto aos efeitos visuais, são necessárias diversas máquinas como a máquina do vento, das tempestades e as luzes (lamparinas) que fazem o contraste escuro/claro, é necessário criar as ondas do mar e os diversos cenários, também é recorrente a descida e subida de personagens em nuvens, como Medeia (através das Glórias) e a entrada do dragão (provavelmente com roldanas).
Reacções contra a hegemonia do modelo espanhol de teatro em Portugal após a restauração da independência:
Após a restauração da independência procura-se, também através da literatura e das artes, afirmar a identidade nacional, o que leva a um momento de confluência de modelos e afirmação da língua portuguesa através destes. Apesar da mudança política, dominam ainda a zarzuela e representações de bonecos com textos e temas da comédia espanhola (p. ex. óperas de António José da Silva). Mas também se vai buscar às Metamorfoses de Ovídio as narrativas de amores entre figuras da mitologia latina, que constituem argumentos para serenatas e óperas ou dramas líricos.
Um episódio polémico ilustra também o pensamento relativamente à hegemonia do modelo espanhol. Em 1747, o Marquês de Valença escreveu um texto em defesa do teatro espanhol, atacando o teatro clássico francês, o que vai desembocar na publicação da crítica do Cid, quando um anónimo (que se pensa ser Alexandre de Gusmão) responde com Notas à crítica que o senhor Marquês de Valença fez à tragédia do Cid de Corneille.
O teatro na corte de D. José I: concretização do programa político de dotar a corte de uma actividade cultural ao nível das outras cortes da Europa:
D. José I manda construir o Real Teatro do Tejo ou Ópera do Tejo pelo arquiteto Giovanni Carlo Bibbiena, o primeiro edifício construído de raiz especificamente para teatro, embora, Giovanni tenha primeiramente construído um teatro num picadeiro do palácio de Salvaterra de Magos (para onde se deslocava a corte entre o Carnaval e a Quaresma). Começamos também, a partir de 1752, a ter noticia de contratações de artistas no estrangeiro, envolvendo montantes e regalias elevadas e até pensões vitalícias. No âmbito do seu programa cultural e artístico, D. José I decide também contratar alguém para escrever libretos de ópera: trata-se de Goldoni, que sugere também o nome de António Sacchi para criar uma companhia de comédia dell’arte o qual irá contratar a família de atores Vitalba para integrar a sua companhia). O repertório operático utilizado nos teatros da corte era muitas vezes comprado pelos embaixadores, nomeadamente, em Itália, tal como o guarda-roupa. D. José I ia buscar a inspiração a Itália, até para o funcionamento da ópera, isto até ao terramoto de 1755.
Existiram teatros públicos antes e depois do Terramoto. Teatros mais importantes e actividade desenvolvida:
Os mais importantes foram: o Teatro da Graça, onde se representam comédias e espetáculos de bonecos ou “Presépios” ; o Teatro da Rua dos Condes, onde se faz teatro italiano (Óperas) e variedades; o Teatro do Salitre, onde se faz variedades, comédias, dramas, bailes, tal como se representaram alguns autores franceses românticos quando lá esteve a companhia de Emile Doux e Paul, já no século XIX; o Teatro do Bairro Alto, onde têm lugar espetáculos de bonecos (óperas) e onde, inclusive, foram representados os textos de António José da Silva , tal como comédias e tragédias; o Teatro de S. Carlos, onde decorrem Óperas, comédias, farsas e bailados; e o Teatro da Trindade, do qual pouco se sabe a não ser que, nos anos 30, uma companhia de ópera italiana dirigida por um músico de nome Paghetti, se instalou lá.
Sociedade para a subsistência dos teatros públicos criada em 1771:
A Sociedade para a subsistência dos teatros públicos foi uma associação que resultou de uma intervenção política do presidente do Senado, o Conde de Oeiras, e do seu pai o Marquês de Pombal, com vista a regulamentar o funcionamento dos teatros públicos. A Sociedade procura reformar e pôr em ordem o sector do teatro, que passa a ser regulado, passam a existir acionistas e diretores (os diretores são 4 escolhidos entre os sócios por um período de um ano, após esse ano há novas eleições com a presença do Conde de Oeiras). Os diretores regulam o funcionamento dos teatros e esta hierarquia e divisão de funções tem de ser respeitada pelos empresários. Passa também a existir um polícia (ministros inspetores ou oficiais militares) nos teatros. São os diretores, e não os empresários, que escolhem o repertório e atores e são também estes os encarregados pela conservação do teatro. A sociedade procura também acabar com a “oferta” de bilhetes, tendo toda a gente que pagar, passando a existir um bilhete-senha de modo a que se possa circular à vontade dentro dos teatros. Nos camarotes podem entrar os serviçais e tudo o que se passa nos teatros é comunicado ao Conde de Oeiras para aprovação.
Duas formas de repressão que atingiram o teatro ou os textos e suas consequências:
A Real Mesa Censória, criada por intermédio do Marquês de Pombal, vai retirar poder aos Jesuítas, estando este órgão mais dependente do rei do que da Igreja. O teatro representado ou editado deixa de ser controlado pela Igreja, no entanto, continua a existir um cuidado com os valores morais transmitidos pelo mesmo, mais ao serviço do rei do que da Igreja.
A Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos livros, no reinado de D. Maria I (mais tarde abole este órgão e reinstaura a censura tripartida do Ordinário, do Santo Ofício e da Mesa do Desembargo do Paço), vai destruir a qualidade e credibilidade do teatro em Portugal. A comédia e a Ópera deixam quase de ser representadas, as mulheres são proibidas de representar e frequentar teatros, as companhias desmoronam-se e os atores começam a sair para as colónias ou para fora de Lisboa.
Modelos de teatro sucessores da comédia espanhola e sua importância na transformação do teatro em Portugal no século XVIII:
A comédia espanhola que os empresários continuarão a tentar levar a cena porque o público aprecia, vai ser substituída pela ópera italiana que será moda e grande sucesso nas décadas de 60 e 70. A comédia e a tragédia clássica francesas e as comédias de Goldoni tentarão ganhar adeptos, mas com menos sucesso, apesar dos esforços dos árcades que as traduzem e publicam.
Distinção do entremez em relação à comédia e farsa:
O entremez é uma acção teatral curta que é apresentada no meio de uma comédia ou tragédia. Tem certas características do teatro tradicional português do séc. XVI e consiste numa pequena anedota, história, evento retirado da atualidade, parecendo um pequeno quadro com uma lição conservadora porque procura ser o retrato de uma moral (Ex: respeito que os filhos devem ter para com os pais ou as mulheres para com os maridos etc.). Tem em comum com a comédia e com a farsa ser cómico, mas a comédia é mais elaborada e extensa e a farsa é mais grosseira e baseada em acções físicas.
Os árcades (Arcádia Lusitana) e a criação de um teatro português:
A Arcádia Lusitana surgiu em 1756 com a constituição de um grupo de indivíduos cuja missão era educar o povo e expurgar os meios literários e teatro das influências espanholas através da critica, procurando criar um teatro nacional, regular, inspirado nos modelos da antiguidade (Aristóteles e Horácio) e no classicismo francês (Molière, Corneille, Voltaire). Este grupo foi responsável pela produção e tradução de diversas obras de teatro, procurando criar um teatro nacional, que exponha os vícios, sem que o público para eles seja atraído e que fale da atualidade.
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