domingo, 22 de abril de 2012

Sobre os céus [De Caelo], Aristóteles

Sobre os Céus [De Caelo], Aristóteles
Aristóteles expõe a sua teoria astronómica neste tratado cosmológico, que moldou a mentalidade ocidental desde o século IV a. C. até ao século VII.
A obra é toda muito explicativa e a sua teoria não encontrou durante séculos grande rivalidade/contrariedade. A imutabilidade dos céus não era contestada no mundo ocidental, até ter aparecido e desaparecido, em 1562, uma estrela no céu.
O texto está apoiado numa observação atenta do mundo.
Tudo o que existe é efémero e tudo se transforma, o céu vem contrariar esta ideia porque não muda, os céus são imutáveis. Existe uma dicotomia radical entre o que se passa na terra e nos céus.
Esta dicotomia vai-se tornar incrivelmente explicativa, com Aristóteles, ao ligar matéria e movimento aos mundos supra e sub-lunar.
Mundo sub-lunar: Terra
Mundo supra-lunar: Céu
O mundo sub-lunar é composto por quatro elementos (terra, ar, água e fogo). Para cada elemento há um contrário.
O mundo supra-lunar não é composto pelos quatro elementos, logo, é composto por outra coisa – o 5º elemento ou matéria celeste.
Características do mundo sub-lunar:
- Mudança;
- Geração/Corrupção;
- Quatro elementos;
- Movimento natural vertical
Características do mundo supra-lunar:
- Não mudança;
- Imutabilidade;
- 5ª Essência ou elemento;
- Movimento natural circular.
Segundo Aristóteles, a noção que condiciona o movimento corresponde à noção de lugar natural.
Ex:. Um corpo pesado é aquele cujo lugar natural está abaixo de onde eu estou.
O movimento relaciona-se com o lugar natural – os quatro elementos têm um movimento natural vertical.
Ex:. A pedra cai porque volta para o seu lugar natural.
Nos céus o movimento natural é circular e não vertical. Tudo o que é feito com os quatro elementos é vertical e o que é feito com o 5º elemento é circular.
Para os corpos celestes terem um movimento circular (eterno) é porque não estão sujeitos á degradação que acontece com os quatro elementos no mundo sub-lunar.
O facto de só existir um movimento e seu contrário (forçado) dos elementos impossibilita a existência de outro centro (para haver outro centro teriam de haver elementos diferentes, o que não é possível).

Geografia, Livro III, de Estrabão

Livro III, Geografia, Estrabão
Esta obra constitui o grande repositório da geografia helenística dos séculos anteriores. Estrabão vai, baseando-se em diversas fontes e autores, descrever o mundo conhecido de uma perspetiva geográfico-cultural.
Estrabão escreve em plena expansão do império romano, na altura da romanização da Península Ibérica. O império romano do Ocidente durou até ao séc. V a.C. e o do Oriente até ao séc. XV.
É um texto fundamental porque chegou até aos nossos dias na íntegra, dada a forma de reprodução (cópias de outras cópias) e contém um conjunto de referências a diversas obras e autores, os/as quais só conhecemos através desta obra.
A obra fala da apologia da construção do império e da relação dos povos com Roma.
Estrabão nunca esteve na Península Ibérica. A Península Ibérica marcava o fim do mediterrâneo [“o nosso mar”] e início do Atlântico (que ao contrário do mediterrâneo tem marés). A navegação no mediterrâneo não necessitava de coordenadas porque se baseava em pontos cartográficos (principalmente, em portos).
Numa dimensão mais física (Geografia Física) surgem dois temas: os mares e a sua interação com os astros e o que acontece ao sol quando se põe no mar.
Dimensão prática: Este livro não se limita a instruir e divertir, serve como guia, manual para uso de uma elite (que vai uma função no império romano). O público-alvo da obra não pode ser constituído por leitores iletrados, que não percebam a conceção geográfica apresentada.
Há um esforça sistemático para construir um sistema articulado e integrado de territórios por parte do Império Romano e isso necessita de um reconhecimento geográfico (desenho de um mapa mundo), até porque existe um objetivo fiscal. A descrição da geomorfologia ajuda a conhecer o terreno, permitindo conceber melhores estratégias de abordagem territorial.
A obra de Estrabão contém a descrição geral do território e apontamentos relacionados com os recursos.
Apresenta uma diversidade de realidades existentes na Península Ibérica.
Na cultura grega, a organização da Pólis é contrária à das sociedades étnicas. Nasce-se na Pólis, não se torna membro da Pólis.
A Pólis são cidades implantadas na planície junto ao mar, com um comércio estruturado e organizado (existe moeda). A Pólis é vista como o mundo civilizado, com comércio e moeda.
Antes da conquista romana, a Península Ibérica:
- Detinha uma diversidade de línguas e etnias;
- Complexidade de signários, inspirados em dois alfabetos (grego e fenício).
Erros de Estrabão:
- Separação norte-sul da cordilheira dos Pirenéus;
- Ponto mais ocidental como o cabo de São Vicente.
Um país que tenha condições naturais favoráveis tende para a paz e, por isso, torna-se propício o desenvolvimento da civilização e da cultura.
Dicotomia entre o selvagem que vai à árvore buscar a bolota para fazer o pão e não cultiva o cereal.
Fronteira entre o mundo mediterrânio, com o pão de cereais (implica semear e colher), vinho (implica plantar uvas e fazer o vinho, para além de ser importante e a principal bebida, dado a inexistência de um sistema de controlo da água – água era um veneno), o azeite (gordura vegetal) que são alimentos com valor acrescentado e o mundo dos montanheses, com o pão de bolota, a água e a manteiga.
Montanheses do extremo norte da Península Ibérica (Galaicos, ástures e cântabros):
- Alimentam-se de cabras (parte componente de proteína animal na alimentação);
- Pão de bolota, em vez de cereais (recoleção silvestre, em vez de agricultura);
- Cerveja em vez de vinho (esta fermentada à base de cereais);
- Gorduras animais em vez de vegetais (azeite).

Quanto mais longe do mediterrâneo, mais longe do patamar de civilização.
- Têm chefes guerreiros galaicos (Lezenho);
- Têm um habitat de altura, fortificado e com um sistema de organização interna caótico (produção individual, construção de casas sem olhar a onde e como).
Conquista e submissão do território pelos romanos:
- Aldeias convertem-se em Cidades;
- Baixar do alto dos montes para as planícies;
- Colocação de colonos (que são agentes de transformação cultural);
Os indígenas civilizados chamam-se togados.
Togado porque usa toga (o atributo físico do cidadão romano – vestuário). Isto implica integração numa nova ordem jurídica e tem importância simbólica (símbolo da identidade romana).
Os romanos ao conquistarem outros povos caracterizados como selvagens por habitarem precisamente essas zonas quase inóspitas, de relevos demasiadamente acentuados para albergar uma civilização, ensinaram-lhes formas de governação adequadas. Por conseguinte, o contacto entre estes povos conquistados e o seu conquistador proporcionou uma comunicação que permitiu transmitir conhecimento para que pudessem viver prosperamente e em sociedade, apesar das condições adversas naturais.
Conceito de cidade no mundo grego:
- Tem locais administrativos;
- Ginásio;
- Teatro;
- Praça pública;
- Condução de água alimentando uma fonte;
- “Tem delegados que vão à assembleia federal da Fócia (…) ”;
- Território delimitado;
- Organização política.
Conjunto de pessoas com organização política que gerem um território delimitado.
Para forjar uma cidade onde não existia basta organizar os indivíduos a nível político e delimitar o território. Para as converter em aldeias é fazer o contrário.
As sociedades humanas são classificadas segundo esquema tripartido:
- Agróikos (selvagens): comunidades que vivem em cavernas nas montanhas;
- Mesagróikos (semi-selvagens): comunidades que vivem em povoados nas encostas e que conhecem a agricultura e a pecuária;
- Politikós (civilizados): comunidades que vivem nas planuras, junto às orlas litorais, ilhas e rios navegáveis, praticando o comércio e com uma organização política.
Colónias: Implantação de um espaço que segue a organização da Pólis. Os colonos são frequentemente ex-guerreiros.
Roma pacificadora e geradora de civilização:
- Desenho de novos territórios (cidades nas planícies);
- Uma ‘domesticação’ do espaço – urbanização com sistema de arruamentos.
Livro III
®      Ponto de situação sobre ciência helenística: configuração do território, marés;
®      Matrizes culturais do pensamento helenístico quanto às sociedades;
®      Entendimento das raízes remotas do povoamento no espaço da Península Ibérica;
®      Mundo rural resulta da construção helenística, tendo este características distintas do mundo urbano;
®      Cidades como focos de poder, organização e estruturação dos territórios;
®      O inventário da diferença: um mundo indígena/”bárbaro” e de estranha gente com estranhos costumes.
®      Descrição das características geográficas e geológicas da Península Ibérica;
®      Faz uma descrição etnográfica (das relações);
®      Diz-se que o Tejo abunda em peixe e está cheio de ostras.
®      Conceito de etnia [“etnia é pertencer”] (pertence-se a uma etnia, porque se nasce dentro dela), que se opõe ao de cidade (pertence-se por aculturação).
Fontes por ele consultadas – autores como Posidónio, Políbio, Artemidoro, Píteas e Eratóstenes.
Encontram-se referências a heróis mitológicos como Hercules, Ulisses e Eneias.
Comércio junto à costa: pesca e salga de peixe.
Mesmo a pertinência da sua obra, como indica o próprio, advém das conquistas romanas e dos benefícios que os romanos trouxeram aos povos subjugados, que de selvagens passaram a civilizados. A figura de Augusto e mesmo o próprio Império Romano foram idealizados e são ainda vistos como personificação de uma época próspera, de paz entre as mais diversas regiões que estavam sujeitas a Roma.

Apologia de Sócrates, Platão

Apologia de Sócrates, Platão
Platão, um dos discípulos de Sócrates e um dos maiores filósofos da Antiguidade, deixou-nos as ideias do seu mestre num discurso proferido por Sócrates em defesa própria, quando condenado à morte por “corromper a juventude” e não acreditar nos deuses da cidade.
Texto fundamental porque contém a resposta mais antiga a duas perguntas: O que é a filosofia? E Como se deve viver, o que é a vida boa?
O que é a filosofia?
É um uso particular de palavras (os filósofos usam palavras de modo especial), palavras de carácter normal. Usadas num contexto de ataques, defesas e refutações.
Segundo Sócrates, existem 2 tipos de palavras:
®      Palavras de praça (Ágora)
®      Palavras dos oráculos
Uma das acusações contra o filósofo é falar de forma estranha, usar palavras que mais ninguém conhece. Este defende-se dizendo que fala como qualquer pessoa, alguém que faz comércio, política e má-língua em praça pública.
Sócrates diz aos acusadores que é possível que estes não entendam as palavras que fala, pois por vezes as palavras mais comuns são difíceis de entender por quem usa termos técnicos (tribunal).
Os filósofos devem falar como todas as pessoas, no entanto, nem todas as pessoas são filósofos.
É também acusado de ser um sufista, acusação da qual se defende dizendo que fazer filosofia não é manipular palavras.
Sócrates tem a habilidade de transformar argumentos fortes em fracos e fracos em fortes (pág.68). Para ele existe uma classe de pessoas que ganham dinheiro para refutar proposições verdadeiras e demonstração de frases falsas – os sufistas.
Diferenças entre Sócrates e os sufistas:
Os sufistas ganham dinheiro, ele não. Quem é filosofo não leva dinheiro, quem leva dinheiro não é digno de confiança (A filosofia é de graça);
Ele funciona de uma forma desinteressada;
Os sufistas convencem, Sócrates diz a verdade (diferença entre o convincente e o verdadeiro).
Coisas que não faz: persuadir, implorar, desculpar-se (coisas que, segundo ele, envergonham). Pedir desculpa é uma humilhação pública. (Filósofos não pedem desculpa nem persuadem)
Coisas que faz: dizer a verdade (é uma virtude, as pessoas excelentes dizem a verdade pois não dizer a verdade é como fugir de uma batalha – uma vergonha).
Apesar de tudo o que Sócrates diz contra a persuasão, em determinados momentos admite estar a persuadir (págs. 94 e 1º parágrafo da 97).
A distinção entre persuadir e verdade está presente no início, mas Sócrates acaba por demonstrar que é possível persuadir as pessoas de coisas verdadeiras, logo, a persuasão é independente das proposições que são objeto de persuasão.
A filosofia é também um modo de vida, [“Uma vida sem pensar não é digna de ser vivida por um homem”].
Dizem que ele é professor.
Os filósofos não são professores de filosofia, ele não é professor (pág. 69). Se ele não é professor, quem o ouve não é nem aluno nem discípulo, mas sim pessoas.
Não existem pré-requisitos para conversar com Sócrates, ele fala com qualquer pessoa.
O seu público é sempre pequeno, ele é um filósofo itinerante pois vai falando com quem lhe aparece, não estando sempre no mesmo sítio.
O trabalho do filósofo é: andar pelas ruas a dizer coisas desagradáveis – verdades, que as pessoas não aceitam e, por isso, as conversas, apesar de verdadeiras, são desagradáveis.
A ideia de exame filosófico consiste em “humilhar” quem a ele é submetido. Por norma ver alguém ser refutado causa prazer, daí o público acorrer a Sócrates.
O que é um exame filosófico? O oráculo diz que Sócrates é o homem mais sábio, mas ele não sabe, logo, o que vai fazer é perguntar. A sua missão é perceber o que significa ser sábio, o que implica examinar as pessoas. Vai interrogar qualquer pessoa, pois não há especialistas em tipos de perguntas (como, por exemplo, há especialista em dor de dentes – dentista).
Ele teve a oportunidade de ser militar mas não quis, nem ser político nem entrar para os negócios, porque o seu comportamento é impulsivo. Ao contrário de uma profissão, em que podemos mudar, ele não pode deixar de ser filósofo pois não há vida sem filosofia.
A filosofia é uma espécie de atividade compulsiva (em nenhum momento ele diz fazer filosofia porque gosta ou quer) e este modo de vida é interminável (o exame filosófico nunca finda).
A filosofia não é uma profissão nem interesse, faz parte de quem ele é (e daquilo que somos, não nos podemos livrar). Ele não consegue viver sem andar pelas ruas a examinar, logo, não pode deixar de ser filósofo.
Concluindo, se a filosofia não é uma profissão, então ele não pode ser professor.
A filosofia não é uma doutrina que se ensine nem um conjunto de coisas que se aprende, logo, nem ele é professor nem tem alunos.
Não pode haver doutrinas filosóficas pois “Só sei que não sei!”. Sócrates ultrapassa a questão da proposição pois não diz que não sabe nada, mas que sabe uma coisa: que não sabe nada.

O que é um bom modo de vida?
Ele justifica a sua natureza compulsiva e indeterminável porque um Deus lhe mandou (o oráculo é o intermediário humano de Deus, neste caso, consultar o oráculo é consultar o Deus Apolo).
Sócrates não diz que os deuses são mais fortes ou poderosos, mas que são melhores e por isso devemos obedecer-lhes (Não obedecer a quem é melhor ou mais sábio é vergonhoso).
Outras das justificações é porque uma espécie de voz lhe diz o que não deve fazer (“Daimonion” de Sócrates).
Não há uma doutrina dos deuses, mas uma pequena correção das ações humanas.
Distingue 3 tipos de sabedoria:
- Dos Deuses (que sabem e não precisam de provar);
- Dos Homens (que sabem que não sabem);
- Dos sábios/sufistas (que sabem tudo, logo, sabem o que o homem não sabe. Mas se são homens, então, não podem saber tudo – pensam que sabem).
Relação entre saber os limites humanos do nosso conhecimento e um modo de vida:
Sócrates mostra por atos e não por palavras no que é que consiste uma boa pessoa. Uma boa pessoa é, então, alguém que sabe pensar e viver (saber viver implica fazer filosofia).
Os filósofos comportam-se de certa maneira, têm certas atitudes. Sócrates não se preocupa com a morte, logo, se Sócrates não se preocupa com a morte e é filósofo, os filósofos não têm medo da morte.
Ele diz que morrerá agarrado à cidade e não aos cidadãos (cidadãos é quem vota), daí não fazer sentido exprimir o seu amor por eles. A razão que o liga a Atenas é porque um Deus o mandou.
O “daimonion” de Sócrates têm conteúdo epistémico, serve para validar as suas crenças e como a espécie de voz não se pronunciou quanto à sua condenação à morte, então, morrer não é uma coisa má. A voz é controlada pelos Deuses e os Deuses são os melhores.
Para Sócrates a morte é uma de duas coisas:
- Ficar sem sensações (não se sofre);
- Pode ser que depois de morrer se vá para um sítio melhor.
Qualquer uma das opções é uma coisa boa, logo, não há motivo para ter medo.
Sócrates constrói um mapa das possibilidades e se estas são todas melhores que estar vivo (mesmo não se sabendo o que vai acontecer), então, ele sai sempre a ganhar.
Ele não põe a hipótese de um “inferno”/punição porque toda a vida obedeceu ao Deus (“daimonion”).

Concluindo

O melhor modo de vida é o modo de vida do filósofo:
- Obedecer a um Deus;
- Não fugir nem desistir de fazer filosofia:
- Não ter medo da morte.

Teatro na Idade Média

Drama na actividade doutrinária da Igreja na Idade Média
O surgimento do drama no seio da Igreja na Idade Média relaciona-se com as proibições e regulamentações impostas ao teatro na época, nomeadamente, às tragédias e comédias consideradas socialmente desreguladoras. As instituições religiosas fizeram cópias desses textos incorporando-lhes os valores e moral cristã e em 1207 foram proibidas todo o tipo de manifestações de prática teatral que não fossem de carácter religioso. O papa Inocêncio III estabelece, ainda, os princípios gerais para a missa e em algumas partes desse ritual podemos ver nascer o embrião do teatro católico. Assiste-se então entre o séc. IX e o séc. XIII ao surgimento, no meio religioso, do chamado drama laico que, confundido com o culto, procura fazer frente ao progressivo afastamento dos féis da Igreja (estes maioritariamente iletrados, não conhecedores do latim) através de pequenas representações de episódios bíblicos.

Drama litúrgico na cerimónia religiosa. Quem o praticava.
Inicialmente, o drama litúrgico insere-se na cerimónia religiosa enquanto pequenas ações dramáticas[1] (pequenos diálogos cantados em latim distintos da missa) que fazem parte do ritual e para os quais a missa é interrompida. A partir destas pequenas ações parte-se para representações como a Ressurreição de Cristo. O drama era praticado tanto por eclesiásticos como por seculares, sendo que as freiras não o praticavam.

D
ramatizações de passos da Bíblia e os momentos determinados do calendário religioso em que ocorriam.
As dramatizações bíblicas eram realizadas segundo o calendário religioso, nas festas do ano litúrgico, como os documentos que chegaram até aos nossos dias confirmam, por exemplo, episódios do nascimento de Cristo decorriam na missa do Natal[2], tal como na festa e noite de natal decorriam representações do presépio e Reis magos[3]. Também nas procissões do Corpus Christi (quinta-feira que se segue ao domingo da Santíssima Trindade) aconteciam representações[4]. Mesmo quando estas representações se autonomizam da Igreja, continuam a seguir o calendário religioso, tanto que os milagres apenas decorrem nos dias de celebração dos respetivos santos.

Substituição da Igreja na produção de representações sagradas.
A partir do séc. XIII assiste-se a uma autonomização das representações sagradas. Ao mesmo tempo que estas representações se começam a afastar do objetivo primeiro da Igreja, misturando o litúrgico e o profano, surgem as confrarias que procuram promover o seu santo e, desta forma, a produção de representações sagradas começa a ficar ao encargo das confrarias, que as incluem no culto.

Onde tinham lugar e quem participava nos mistérios da Paixão.
Os mistérios da Paixão tinham lugar na praça central das cidades e todas as pessoas participavam, nem que fossem como figurantes. Eclesiásticos, civis, representantes das corporações, mesteres e ofícios artesanais, apenas com a sua presença, ao reunirem os “ricos” e os “pobres” representam a vida de Cristo.

Diferenças e semelhanças existentes entre as formas teatrais dos mistérios, moralidades e milagres.
Apesar de tanto os mistérios como as moralidades e os milagres representarem matéria religiosa, existem diferenças: Os mistérios consistem em representações da vida de Cristo e bíblicas (Ex.: mistério da Paixão decorrido em Valenciennes em 1547[5]); as moralidades apresentam representações alegóricas, ações em que se representam vícios e virtudes, procurando transmitir valores morais; e os milagres são representações baseadas na vida dos Santos, mas também da Virgem e até de certas personalidades da época (Ex.: Martírio de Santa Apolónia[6]).

A língua em que as representações de carácter sagrado tinham lugar.
As representações eram inicialmente feitas em latim nas igrejas, no entanto, com o chegarem às cidades através das confrarias e com a intervenção do povo nas representações, a língua progressivamente passou a ser a do local/país onde decorriam as representações de carácter sagrado.

O teatro profano na Idade Média.
O teatro profano é feito nas praças das cidades, nas feiras e nos palácios pelos jograis e companhias, que entretanto começam a surgir.
Proibições que envolvem clérigos e hipotéticas relações com «jograis, mimos e histriões» (Mário Martins apud Francisco Luiz Rebello, 1977: 28) apontam também para a existência de um teatro profano no seio das ordens religiosas, nas catedrais e mosteiros.

Assunto desse teatro e finalidade.
Era um teatro essencialmente de representações cómicas de matéria profana, do quotidiano. As farsas punham em evidência os maus comportamentos e, ao contrário da comédia, não acabavam bem, por norma, acabavam à pancada ou com alguém a ser castigado. Este teatro pode também conter matéria religiosa ou moral, no caso dos jogos (Ex.: Le Jeu d’Adam de Jean Bodel). Tinha como finalidade divertir, ao contrário do drama laico cujas características não eram lúdicas.

Nos palácios organizavam-se representações. Circunstâncias e regularidade.
Era comum a realização de pequenas ações teatrais que tinham lugar durante as refeições, ‘entre os pratos’ – entremezes; tal como de momos e outros divertimentos. As representações nos palácios aconteciam quando havia festas na corte, sendo que estas tinham uma regularidade diminuta, pelo que as representações ocorriam por altura de casamentos e em outras ‘ocasiões especiais’.
Tem-se conhecimento de representações em diversos casamentos, dos quais são exemplo: o casamento da infanta Mafalda com o conde Reimondo[7], de D. João I com D. Filipa de Lencastre[8], de Frederico III com a infanta D. Leonor[9] e do príncipe Afonso com Isabel de Aragão[10]. Estas representações, tal como as festas, alimentam o valor simbólico da corte e do rei, sendo representados diversos temas (como a história de Portugal ou grandes e importantes personalidades).

Um exemplo de momo que chegou até nós através de doc.
Um dos momos dos documentos realiza-se num palácio no centro da cidade, em que decorre uma ação simbólica representativa do poder e estatuto de Frederico III, recém-marido da infanta D. Leonor (tema). Segundo a descrição[11], encontram-se à porta do palácio sete eleitores do Sacro Império Romano-Germânico que elegem Frederico III Sacro Imperador Romano-Germânico.
Esta é uma representação em que os momos se encontram mascarados de «sete Eleitores do Sacro Império Romano» e de «senhor Frederico Rei dos Romanos».

Os momos e a festa.
Os momos são pequenas ações que constroem uma situação de ficção, simbólica, com um tema (Ex.: Desafio das justas[12]) e enredo em que se usa máscaras, mas sem intriga nem fala e que se insere na festa pelo tema (que se relaciona com a mesma) e pelas suas características lúdicas, de divertimento.

Características das representações medievais para que possam ser consideradas formas de espetáculo para-teatrais.
As representações medievais são consideradas formas de espetáculo para-teatrais porque são um tipo de espetáculo popular, podendo conter matérias religiosas ou profanas e encontrando-se limitadas pelas suas origens, não tendo uma orientação aristocrática, apesar de acontecerem também na corte, estas representações encontram-se ligadas à festa e também sujeitas ao seu tema.

Fig.1

Espaço cênico do Mystère de la Passion de Valenciennes
Paris, Bibliothèque Nationale

Fig.2
Martyre de sainte Appoline
Étienne Chevalier



[1] Vide Luiz Francisco Rebello, O Primitivo Teatro Português, vol. 5, Lisboa: Biblioteca Breve, 1977: 31.
[2] Vide Solange Corbin, Essai sur la musique religieuse portugaise au Moyen-âge : 1100-1385, Paris : Les Belles Lettres, 1952 : 292-293.
[3] Vide Constituições sinodais do arcebispo Luís Pires de Braga, Porto, 1477.
[4] Vide Mário Martins, «O teatro litúrgico na Idade Média peninsular», Estudos de Cultura Medieval, Lisboa: Verbo, 1969:24-25.
[5] Vide fig.1.
[6] Vide fig.2.
[7] Vide A. de Magalhães Basto [ed.], Crónica de Cinco Reis de Portugal, Porto : Civilização, 1945: 104.
[8] Vide William J. Entwistle [ed.], Crónica de D. João I, Lisboa: IN-CM, 1977: 208-209.
[9] Vide Luciano Cordeiro [trad.], «Uma Sobrinha do Infante Imperatriz da Alemanha e Rainha da Hungria», Lisboa: Imprensa Nacional, 1894, separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa.
[10] Vide Garcia de Resende, «capítulo 122», «capítulo 123», «capítulo 126», Vida e feitos del rei D. João II, [s.l.], 1545: 73c-74c; 74c-75c; 76d-77c.
[11] Vide Luciano Cordeiro, op. cit., pp. 854-856.
[12] Vide Garcia de Resende, op. cit., pp. 76d-77d.