Apologia de Sócrates, Platão
Platão, um dos discípulos de Sócrates e um dos maiores filósofos da Antiguidade, deixou-nos as ideias do seu mestre num discurso proferido por Sócrates em defesa própria, quando condenado à morte por “corromper a juventude” e não acreditar nos deuses da cidade.
Texto fundamental porque contém a resposta mais antiga a duas perguntas: O que é a filosofia? E Como se deve viver, o que é a vida boa?
É um uso particular de palavras (os filósofos usam palavras de modo especial), palavras de carácter normal. Usadas num contexto de ataques, defesas e refutações.
Segundo Sócrates, existem 2 tipos de palavras:
® Palavras de praça (Ágora)
® Palavras dos oráculos
Uma das acusações contra o filósofo é falar de forma estranha, usar palavras que mais ninguém conhece. Este defende-se dizendo que fala como qualquer pessoa, alguém que faz comércio, política e má-língua em praça pública.
Sócrates diz aos acusadores que é possível que estes não entendam as palavras que fala, pois por vezes as palavras mais comuns são difíceis de entender por quem usa termos técnicos (tribunal).
Os filósofos devem falar como todas as pessoas, no entanto, nem todas as pessoas são filósofos.
É também acusado de ser um sufista, acusação da qual se defende dizendo que fazer filosofia não é manipular palavras.
Sócrates tem a habilidade de transformar argumentos fortes em fracos e fracos em fortes (pág.68). Para ele existe uma classe de pessoas que ganham dinheiro para refutar proposições verdadeiras e demonstração de frases falsas – os sufistas.
Diferenças entre Sócrates e os sufistas:
→ Os sufistas ganham dinheiro, ele não. Quem é filosofo não leva dinheiro, quem leva dinheiro não é digno de confiança (A filosofia é de graça);
→ Ele funciona de uma forma desinteressada;
→ Os sufistas convencem, Sócrates diz a verdade (diferença entre o convincente e o verdadeiro).
Coisas que não faz: persuadir, implorar, desculpar-se (coisas que, segundo ele, envergonham). Pedir desculpa é uma humilhação pública. (Filósofos não pedem desculpa nem persuadem)
Coisas que faz: dizer a verdade (é uma virtude, as pessoas excelentes dizem a verdade pois não dizer a verdade é como fugir de uma batalha – uma vergonha).
Apesar de tudo o que Sócrates diz contra a persuasão, em determinados momentos admite estar a persuadir (págs. 94 e 1º parágrafo da 97).
A distinção entre persuadir e verdade está presente no início, mas Sócrates acaba por demonstrar que é possível persuadir as pessoas de coisas verdadeiras, logo, a persuasão é independente das proposições que são objeto de persuasão.
A filosofia é também um modo de vida, [“Uma vida sem pensar não é digna de ser vivida por um homem”].
Dizem que ele é professor.
Os filósofos não são professores de filosofia, ele não é professor (pág. 69). Se ele não é professor, quem o ouve não é nem aluno nem discípulo, mas sim pessoas.
Não existem pré-requisitos para conversar com Sócrates, ele fala com qualquer pessoa.
O seu público é sempre pequeno, ele é um filósofo itinerante pois vai falando com quem lhe aparece, não estando sempre no mesmo sítio.
O trabalho do filósofo é: andar pelas ruas a dizer coisas desagradáveis – verdades, que as pessoas não aceitam e, por isso, as conversas, apesar de verdadeiras, são desagradáveis.
A ideia de exame filosófico consiste em “humilhar” quem a ele é submetido. Por norma ver alguém ser refutado causa prazer, daí o público acorrer a Sócrates.
O que é um exame filosófico? O oráculo diz que Sócrates é o homem mais sábio, mas ele não sabe, logo, o que vai fazer é perguntar. A sua missão é perceber o que significa ser sábio, o que implica examinar as pessoas. Vai interrogar qualquer pessoa, pois não há especialistas em tipos de perguntas (como, por exemplo, há especialista em dor de dentes – dentista).
Ele teve a oportunidade de ser militar mas não quis, nem ser político nem entrar para os negócios, porque o seu comportamento é impulsivo. Ao contrário de uma profissão, em que podemos mudar, ele não pode deixar de ser filósofo pois não há vida sem filosofia.
A filosofia é uma espécie de atividade compulsiva (em nenhum momento ele diz fazer filosofia porque gosta ou quer) e este modo de vida é interminável (o exame filosófico nunca finda).
A filosofia não é uma profissão nem interesse, faz parte de quem ele é (e daquilo que somos, não nos podemos livrar). Ele não consegue viver sem andar pelas ruas a examinar, logo, não pode deixar de ser filósofo.
Concluindo, se a filosofia não é uma profissão, então ele não pode ser professor.
A filosofia não é uma doutrina que se ensine nem um conjunto de coisas que se aprende, logo, nem ele é professor nem tem alunos.
Não pode haver doutrinas filosóficas pois “Só sei que não sei!”. Sócrates ultrapassa a questão da proposição pois não diz que não sabe nada, mas que sabe uma coisa: que não sabe nada.
O que é um bom modo de vida?
Ele justifica a sua natureza compulsiva e indeterminável porque um Deus lhe mandou (o oráculo é o intermediário humano de Deus, neste caso, consultar o oráculo é consultar o Deus Apolo).
Sócrates não diz que os deuses são mais fortes ou poderosos, mas que são melhores e por isso devemos obedecer-lhes (Não obedecer a quem é melhor ou mais sábio é vergonhoso).
Outras das justificações é porque uma espécie de voz lhe diz o que não deve fazer (“Daimonion” de Sócrates).
Não há uma doutrina dos deuses, mas uma pequena correção das ações humanas.
Distingue 3 tipos de sabedoria:
- Dos Deuses (que sabem e não precisam de provar);
- Dos Homens (que sabem que não sabem);
- Dos sábios/sufistas (que sabem tudo, logo, sabem o que o homem não sabe. Mas se são homens, então, não podem saber tudo – pensam que sabem).
Relação entre saber os limites humanos do nosso conhecimento e um modo de vida:
Sócrates mostra por atos e não por palavras no que é que consiste uma boa pessoa. Uma boa pessoa é, então, alguém que sabe pensar e viver (saber viver implica fazer filosofia).
Os filósofos comportam-se de certa maneira, têm certas atitudes. Sócrates não se preocupa com a morte, logo, se Sócrates não se preocupa com a morte e é filósofo, os filósofos não têm medo da morte.
Ele diz que morrerá agarrado à cidade e não aos cidadãos (cidadãos é quem vota), daí não fazer sentido exprimir o seu amor por eles. A razão que o liga a Atenas é porque um Deus o mandou.
O “daimonion” de Sócrates têm conteúdo epistémico, serve para validar as suas crenças e como a espécie de voz não se pronunciou quanto à sua condenação à morte, então, morrer não é uma coisa má. A voz é controlada pelos Deuses e os Deuses são os melhores.
Para Sócrates a morte é uma de duas coisas:
- Ficar sem sensações (não se sofre);
- Pode ser que depois de morrer se vá para um sítio melhor.
Qualquer uma das opções é uma coisa boa, logo, não há motivo para ter medo.
Sócrates constrói um mapa das possibilidades e se estas são todas melhores que estar vivo (mesmo não se sabendo o que vai acontecer), então, ele sai sempre a ganhar.
Ele não põe a hipótese de um “inferno”/punição porque toda a vida obedeceu ao Deus (“daimonion”).
Concluindo
O melhor modo de vida é o modo de vida do filósofo:
- Obedecer a um Deus;
- Não fugir nem desistir de fazer filosofia:
- Não ter medo da morte.