Lope de Vega começa por elogiar os nobres da Academia de Madrid e diz que decerto seria mais fácil para estes escrever sobre a arte de fazer comédias [este texto foi encomendado] e admite, apesar de ter conhecimento dos preceitos através de leituras de infância, tê-las escrito sem a arte. Isto, devido ao seu conhecimento das comédias que aconteciam em Espanha naquela altura: tratadas por «bárbaros» e não pelos autores originais, que ensinavam ao povo a sua rudeza e fizeram com que quem as escrevesse com arte, morresse sem fama nem recompensa.
Diz, então, ter escrito algumas comédias segundo esta arte do conhecimento de poucos. Justifica-se ao dizer que quando escreve uma comédia, esquece aquilo que sabe [preceitos] e segue a arte daqueles que procuram o aplauso vulgar, visto serem o povo e as mulheres quem paga e estes preferirem o teatro «bárbaro».
Vega apresenta a verdadeira comédia enquanto uma imitação de ações dos homens [quotidianas] e representativa dos costumes do século, assemelhando-se à tragédia pela fala, verso doce, harmonia e música. Segundo o autor, a comédia retrata ações humildes e populares e a tragédia ações reais e altas.
Explica, ainda, que lhes fora atribuído o nome de «atos» por imitarem ações vulgares e negócios e refere diversas personalidades, entre elas, Lope de Rueda, Aristóteles [existem diversas referências à Poética] e Homero.
Continua a falar da história da comédia: do surgimento da sátira e do coro. Diz a tragédia ter argumento histórico e a comédia argumento fictício, tendo sido esta chamada de planipédia [argumento humilde e narrador encontra-se descalço]. Refere também a existência de comédias paliatas[1], mimos, togatas[2], atelanas[3] e tabernárias[4]. É dito que, em Atenas, a comédia era usada como forma de repreender vícios e costumes e eram atribuídos prémios aos autores do verso e ação.
Menciona de novo o facto das comédias espanholas da época se escreverem sem arte e alerta os académicos da necessidade de um meio-termo: comédias escritas segundo a arte e que agradem ao povo, não sendo «bárbaras».
Lope de Vega faz uma crítica à arte defendida pelos académicos ao lembrar a ação de Filipe de Espanha e introduz um novo conceito de comédia que mistura o trágico e o cómico e encanta pela sua variedade. Esta nova arte de fazer comédias [tragicomédia] deve: ser detentora de uma única ação, que pode depois englobar outras ações secundárias; a passagem do tempo deve ser artificial e não natural e a ação deve decorrer no menor tempo possível; é escrita em prosa; divide-se em três atos, cada um com duração de um dia – ideia de princípio, meio e fim.
São dadas indicações quanto à linguagem: deve adaptar-se à situação (se se estiver a persuadir, aconselhar ou dissuadir), logo, é necessário existirem frases e conceitos; deve ser clara e fácil, de uso popular, de modo a que não ofenda com vocábulos esquisitos; deve também adaptar-se à personagem que encarna (rei, velho, amantes), inclusive, se for um monólogo. Só se deve imitar o verosímil, não o impossível e os lacaios devem ter um comportamento adequado à sua condição. As frases que finalizam as cenas devem ter graça e versos elegantes, de modo a não desiludir a plateia.
Para Lope, no primeiro ato define-se o tema, no segundo o enlace dos acontecimentos, de maneira a que só na última cena se conheça a solução. O autor aconselha a que se acomode os versos com alguma cautela, consoante o tema que se trata e dá novas indicações: utilizar décimas para lamentos, sonetos para os que esperam, o romance para relações (apesar do uso excessivo de oitavas), tercetos para assuntos graves e redondilhas para coisas de amor; uso de repetições, anadiploses[5], anáforas, ironia, apóstrofes, «adubitaciones»[6] e exclamações.
Faz uma alusão ao truque de enganar com a verdade nas comédias e diz que os casos de honra e as ações virtuosas mobilizam a população e que o povo procura e aclama os recitadores leais. Elucida-nos quanto à divisão dos versos em cada ato e alerta para que o uso da sátira não seja claro e evidente.
Lope de Vega afirma não haver ninguém mais «bárbaro» do que ele, pois ele próprio se atreve a enunciar preceitos contra a arte. Pergunta, ainda, o que é que poderá fazer se tem, com uma que acabou naquela semana, quatrocentas e oitenta e três comédias escritas, das quais apenas seis seguiram a arte. O autor corrobora o que escreveu e afirma que teve grande prazer em fazê-lo, sendo que às vezes «o que é contra o justo, pela mesma razão cativa o gosto».
Já no fim do texto, diz em latim que a comédia é o espelho da vida humana e termina pedindo aos académicos para que não questionem a arte nova, se nunca a foram ouvir.
[1] Comédia apresentada com um traje típico grego (pálio).
[2] Peça teatral em que as personagens vestiam toga (traje civil dos romanos).
[3] Farsas que teriam surgido na cidade de Atela (Itália).
[4] Devido ao tema e estilo simples (tabernária era o termo usado para designar as casas privadas feitas de tábuas).
[5] Repetição da mesma palavra ou grupo de palavras no final de um verso e início do seguinte.
[6] Figura que consiste em que o orador manifeste dúvida sobre o que deve dizer.
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